Livro: Introdução ao Estudo do Direito
Autor: Alysson Leandro Mascaro.
obs.: Esse texto foi produzido singularmente pelo autor da postagem afim de condensar seu estudo individual sobre o tema. Trata-se de um resumo, com poucos acréscimos, do texto do prof. Alysson Mascaro. Como outros fichamentos, sua leitura pode ser útil para a introdução ou revisão do texto original, leitura bastante recomendável.
Autor: Alysson Leandro Mascaro.
obs.: Esse texto foi produzido singularmente pelo autor da postagem afim de condensar seu estudo individual sobre o tema. Trata-se de um resumo, com poucos acréscimos, do texto do prof. Alysson Mascaro. Como outros fichamentos, sua leitura pode ser útil para a introdução ou revisão do texto original, leitura bastante recomendável.
Capítulo I: O que é direito.
A palavra direito possui uma ampla gama semântica. Dentro de diversos exemplos pode-se discutir o que é ou não direito, mormente nos momentos em que esse fenômeno deve atender às questões da justiça.
Assim, roubar um pão por fome pode ser entendido como um ato contrário ao direito. No entanto, da mesma forma, também se pode entender contrário ao direito o fato de alguém não possuir um pão.
Afinal, o que é direito?
O direito como fenômeno histórico:
Para proceder à investigação dos fenômenos é necessário investigar o movimento real das coisas e não partir de idéias abstratas e, somente após tê-las claras, procurar uma realidade que se adapte a elas. Assim, deve-se usar da ferramenta da história para entender-se o fenômeno jurídico.
Nas sociedades passadas, anteriores à sociedade moderna, não há algo que se possa denominar, especificamente, de direito. Este aparece imbricado com outros complexos como a religião e a moral. Assim, com a chegada da modernidade processou-se a separação teórica e prática entre direito, política, religião, etc. A sociedade tornou-se mais complexa, portanto, diminuindo seus momentos de homogeneidade. É a partir dos tempos modernos, devido a certas estruturações sociais, como a própria organização capitalista, que se dá especificidade à religião, à moral, ao direito, etc.
A qualidade do direito:
É preciso compreender o direito a partir das coisas que são quantitativamente jurídicas e daquelas que são qualitativamente jurídicas. A qualidade de direito é que identifica determinado fenômeno enquanto tal.
Não é pelo assunto que o direito se identifica, são os mecanismos e estruturas que dão especificidade ao direito perante qualquer tema que precisamos entender para elucidar essas questões. É uma determinada relação específica, um modus operandi próprio, que identifica o direito, através do qual ele chega a temas que podem ser qualificados como jurídicos.
Como no passado diversos fenômenos sociais possuíam a mesma estrutura eles não guardavam uma reconhecida especificidade entre si. Assim, o que era jurídico poderia, ao mesmo tempo, ser religioso. A especificidade dos fenômenos surge a partir de determinadas relações sociais e econômicas advindas com a objetivação do capitalismo.
Nos modos de produção anteriores o direito se dava de forma similar a uma espécie de artesanato. Variadas pessoas, segundo critérios de poder, autoridade, força, liderança, forjavam soluções para casos quaisquer que não se repetiam em casos semelhantes. No capitalismo, porém, a mercantilização das relações sociais dá margem a um direito eminentemente técnico, independente da vontade ocasional das partes.
Essa instância jurídica, que adquire sua especificidade, é o locus no qual o Estado se institucionaliza. Esse, um ente aparentemente distante dos indivíduos, regula uma pluralidade de comportamentos, atos e relações sociais. Tomando formas tão peculiares o direito capitalista torna irreconhecíveis as formas jurídicas não-capitalistas.
No capitalismo a sociedade, cindida em classes, inaugura uma nova prática concreta de exploração. O trabalho assalariado, que produz mercadorias, que, por sua vez, geram lucro ao serem vendidas. Dessa forma, as mercadorias existem por que os homens contratam. Daí que o berço do direito encontra-se nas transações mercantis. Ele é resultado delas, posto que é criado, justamente, para garanti-las.
Forma jurídica e forma mercantil:
Eugênio Pachukanis, em tese manifestamente marxista, identificou a forma jurídica à forma mercantil. Quis ele colocar que sempre que surja uma economia de circulação mercantil uma série de ferramentas jurídicas precisa ser criada para apoiá-la como seu reflexo.
Assim, é necessária que existam a liberdade de contratar, os sujeitos de direito, os respectivos direitos e deveres. E é necessário, também, que um terceiro execute os contratos não cumpridos. Esse terceiro é o Estado.
No capitalismo é necessário um regime de impessoalidade para a produção e a circulação de riquezas. Ele explora o trabalho de quem quer que seja, assim como a mercadoria é vendida para qualquer que a compre. Isso dá margem a uma determinada tecnicidade, reflexo necessário da impessoalidade, que se alastra por todas as relações capitalistas. A troca mercantil é universal e, portanto, uma certa técnica que lhe dá apoio universaliza-se também: o direito. Nascendo as atividades mercantis capitalistas nascem juntas as instituições jurídicas. Assim, por exemplo, o trabalho é explorado através da compra e venda da força de trabalho por via de um contrato.
O direito subjetivo, a autonomia da vontade e tantos outros conceitos técnicos do direito surgem dessas relações capitalistas. Assim, no capitalismo todos são iguais para se venderem ao mercado. Todos são iguais para explorarem ou serem explorados na grande engrenagem do capital.
Desta forma, pode-se dizer que o direito moderno é capitalista não porque todas as suas normas sejam favoráveis à exploração capitalista e a protejam. Podem, inclusive, haver leis que atrapalhem a dinâmica capitalista. Porém, o direito moderno é capitalista porque a forma dele equivale-se à forma capitalista mercantil.
Não é o conteúdo das normas que garante o capitalismo. É a forma jurídica que permite que se estruturem todas as relações capitalistas. Normas e atitudes específicas dos juristas podem ir de encontro ao capital. A estrutura do direito, criada pela estrutura do capitalismo mercantil que passa a possibilitar as próprias relações do capital, não.
Se, no mundo pré-capitalista, o jurista confundia-se com um artesão, por causa da ausência de uma técnica impessoal e universalizada, que correspondesse a uma atividade mercantil impessoal e universalizada, no mundo do capital cai por terra a indistinção entre arte e técnica. O direito é, agora, mecânico em consonância com a mecanicidade das relações capitalistas. Agora serão jurídicas as normas e os procedimentos que, imparciais e mecânicos, servem de sustentáculo ao modus operandi do capital.
É por essa razão que se pode afirmar que o fenômeno jurídico passa por um salto qualitativo no capitalismo. Ele é requalificado. Não se chega aos fatos através dos próprios fatos ou da arte da justeza do jurista. É através da técnica jurídica, das normas em última instância, que se chegará às coisas.
Assim, a especificidade do fenômeno jurídico será identificada por este conjunto de instâncias estatais que correspondem de forma imediata às relações mercantis capitalistas. Só a sociedade moderna, capitalista, dá ao direito sua especificidade, sua própria forma. E a razão dessa forma específica é a forma mercantil que lhe corresponde e dá origem.
A quantidade extensiva do direito:
É necessária a percepção de que não é certa temática a residência da identificação do direito. Isso demonstra que a especificidade desse fenômeno encontra-se em sua qualidade, não em sua quantidade. É a qualificação do assunto que pode demonstrá-lo enquanto jurídico. Não é o tema, portanto, que faz o direito, mas a qualificação levada a este tema, imposta com base nas relações sociais vigentes.
O direito regulará as necessidades mais importantes do capitalismo. Não por acaso os primeiros códigos modernos que surgiram foram os que diretamente apoiavam as relações mercantis. O Código Civil e o Código Penal. O direito se estenderá, no entanto, por diversos outros temas que não são diretamente ligados ao capitalismo, sendo indiretamente nascentes desse, como as normas de trânsito, por exemplo.
Isso não quer dizer que o direito não é necessariamente ligado ao capitalismo. Na verdade, as normas de trânsito se valerão da mesma lógica e dos mesmos conceitos de que se valem as relações mercantis. O capitalismo transforma a tudo em mercadoria, o que vai fazer com que o direito alcance, também, todas essas relações. O direito chegará sempre aonde chegue a mercadoria.
Portanto, não haverá a coexistência de fontes contrárias do direito. Todo o fenômeno jurídico emerge das relações mercantis. E a reificação, a universalização da forma mercantil, conceito de G. Lukács, universaliza, então, a forma jurídica, que a tudo isso chancelará e aprovará.
Vale lembrar que o direito opera onde fala e onde se omite. Os juristas técnicos dirão que os fatos não valorados pelo direito não têm relevância jurídica. Mas a omissão do direito é um alto problema jurídico. O direito se esparrama sobre tudo, mesmo quando se esconde e omite.
Assim, não é pela quantidade, nem pelo assunto, que se identifica o direito. É por sua qualidade correlata à forma mercantil. Desta forma, é vasto o limite da incidência das normas jurídicas nos fenômenos sociais humanos, abarcando tudo aquilo que possa ser mercadoria.
A quantidade formadora do direito:
O direito penetra e é penetrado pela totalidade, interpenetrando todos os demais fenômenos sociais e sendo interpenetrado por eles. Por isso, não só a quantidade de que trata o direito, mas também quantidade que forma o direito é resumida pela totalidade. No limite, o fenômeno jurídico é apenas mais uma forma de expressão da totalidade dos fenômenos sociais.
Claro está, no entanto, que a totalidade das coisas forma o direito apenas em seu nível quantitativo, ficando de fora o nível qualitativo. A qualidade jurídica é o fenômeno preponderante, a quantidade é fato suplementar. Assim, a religião influencia o direito, mas não é seu fundamento. Sua lógica advém da atividade mercantil como estrutura necessária e aderente ao capital.
O jurista eminentemente técnico se esforça por esconder essa interação com a totalidade do direito. Identifica o direito apenas com a norma jurídica, procedendo, assim, a verdadeiro reducionismo. Escondem-se as relações do direito com a sociedade para não explicitarem-se seus vínculos. Deve-se proceder de modo contrário, rompendo com o reducionismo para chegar à própria qualificação da totalidade. A partir desse todo é que se há de identificar o capitalismo como unificador de sentido ao direito com todos os outros fenômenos mais a ele se somando de forma complementar.
Disso deriva a atual formação dos juristas. Parte a entender o direito a partir de certos pontos apenas, como a norma jurídica, desconhecendo a totalidade. Não se dando conta da riqueza da totalidade o jurista atual passa a se contentar em observar apenas fatos parciais, chamando-os de direito. Para um mundo que não quer ter angústias, sem se transformar, essa postura é útil, pois não pensa as contradições do todo. Mas para conhecer a plenitude do direito, é preciso ampliar os horizontes teóricos.
Frente a isso é necessário lembrar que a totalidade sobre a qual o direito se esparrama, e que forma o fenômeno jurídico, é orientada por essa razão de ser qualitativa, que se desdobra e volta a implicar o todo. O capitalismo dá existência singular ao direito e, ao mesmo tempo, o direito dá sustentação à atividade mercantil capitalista.
O fenômeno jurídico:
Não há fenômeno jurídico fora da história. Tudo que foi considerado manifestação jurídica foi assim considerado de forma distinta ao variar da história. Contemporaneamente, o direito é a técnica jurídica moderna.
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, identifica o campo do direito e da justiça com a regra de dar a cada um o que é seu. Essa ficou conhecida como a regra de ouro aristotélica, que perpassou o Direito Romano e a Idade Média. O direito identificava-se à distribuição de bens.
No capitalismo essa lógica se inverte. A regra de Aristóteles deixa de ser lida como um problema de distribuição dos bens, sendo vista, a partir de agora, enquanto uma norma. Assim, independentemente de seu conteúdo ou procedimento, a regra perde seu sentido para uma norma que encerra, nela mesma, o sentido para justiça.
Antes o direito não estava nas normas, mas nas coisas. Anteriormente à Idade Moderna a justiça era uma atividade de encontrar a natureza das coisas. O jurista deveria agir no sentido de conformar os bens, as pessoas, os fatos e as situações a essa natureza. Daí surgiria o justo.
Assim, para Aristóteles, a eqüidade, que busca a justiça em cada caso concreto, era mais importante que a lei. Na antiguidade o jurista teria de ser capaz de buscar na situação concreta, nas coisas, sua natureza e a justiça ali envolvida. O fenômeno jurídico era considerado muito maior que a sua mera normatividade.
No capitalismo, contrariamente, o direito identifica-se às normas estatais e a todos os seus fenômenos teóricos correlatos. Fato devido às necessidades prementes da exploração mercantil e produtiva do capital. Se a sabedoria era uma virtude jurídica no passado, hoje a virtude jurídica que se busca é o conhecimento técnico. Para nós o direito é técnica e não arte.
O artesanato jurídico do passado parece injusto visto com os olhos do presente e, de fato, o é. Nas sociedades pré-capitalistas os que detinham o poder nas relações sociais acabavam, na maioria dos casos, consolidando a ordem injusta em que viviam, porém tudo a depender da vontade de quem mandava. O direito era incerto, imprevisível. O capitalismo, no entanto, por meio da institucionalização estatal, apenas tornou previsíveis e consolidadas suas injustiças. Por isso, a crítica ao capitalismo não é uma volta ao passado, mas a sua superação, a chegada a uma sociedade sem classes e sem exploração. A chegada ao Socialismo. Pois somente com esta superação será possível chegar-se às pessoas, às coisas, aos fatos.
O direito como fenômeno específico é necessário ao capitalismo. A superação deste será a superação do mundo tecnicista dos juristas. O fim do direito específico é o fim do próprio capitalismo. Por isso, a crítica marxista de que a extinção do capitalismo será a extinção do direito.
Portanto, a arte do jurista de fazer justiça é praticamente impedida sob o capitalismo. O jurista deve ser mecânico, técnico. Suas aspirações e seus desejos são enterrados pela prática sufocante da realidade e pela distorção estrutural da sociedade. Por isso, a postura autêntica do jurista deve ser a da transformação da própria sociedade capitalista. Assim, ele só será autêntico quando vivermos no mundo socialista e o direito for uma arte ou quando ele lutar pela destruição da sociedade capitalista.
A palavra direito possui uma ampla gama semântica. Dentro de diversos exemplos pode-se discutir o que é ou não direito, mormente nos momentos em que esse fenômeno deve atender às questões da justiça.
Assim, roubar um pão por fome pode ser entendido como um ato contrário ao direito. No entanto, da mesma forma, também se pode entender contrário ao direito o fato de alguém não possuir um pão.
Afinal, o que é direito?
O direito como fenômeno histórico:
Para proceder à investigação dos fenômenos é necessário investigar o movimento real das coisas e não partir de idéias abstratas e, somente após tê-las claras, procurar uma realidade que se adapte a elas. Assim, deve-se usar da ferramenta da história para entender-se o fenômeno jurídico.
Nas sociedades passadas, anteriores à sociedade moderna, não há algo que se possa denominar, especificamente, de direito. Este aparece imbricado com outros complexos como a religião e a moral. Assim, com a chegada da modernidade processou-se a separação teórica e prática entre direito, política, religião, etc. A sociedade tornou-se mais complexa, portanto, diminuindo seus momentos de homogeneidade. É a partir dos tempos modernos, devido a certas estruturações sociais, como a própria organização capitalista, que se dá especificidade à religião, à moral, ao direito, etc.
A qualidade do direito:
É preciso compreender o direito a partir das coisas que são quantitativamente jurídicas e daquelas que são qualitativamente jurídicas. A qualidade de direito é que identifica determinado fenômeno enquanto tal.
Não é pelo assunto que o direito se identifica, são os mecanismos e estruturas que dão especificidade ao direito perante qualquer tema que precisamos entender para elucidar essas questões. É uma determinada relação específica, um modus operandi próprio, que identifica o direito, através do qual ele chega a temas que podem ser qualificados como jurídicos.
Como no passado diversos fenômenos sociais possuíam a mesma estrutura eles não guardavam uma reconhecida especificidade entre si. Assim, o que era jurídico poderia, ao mesmo tempo, ser religioso. A especificidade dos fenômenos surge a partir de determinadas relações sociais e econômicas advindas com a objetivação do capitalismo.
Nos modos de produção anteriores o direito se dava de forma similar a uma espécie de artesanato. Variadas pessoas, segundo critérios de poder, autoridade, força, liderança, forjavam soluções para casos quaisquer que não se repetiam em casos semelhantes. No capitalismo, porém, a mercantilização das relações sociais dá margem a um direito eminentemente técnico, independente da vontade ocasional das partes.
Essa instância jurídica, que adquire sua especificidade, é o locus no qual o Estado se institucionaliza. Esse, um ente aparentemente distante dos indivíduos, regula uma pluralidade de comportamentos, atos e relações sociais. Tomando formas tão peculiares o direito capitalista torna irreconhecíveis as formas jurídicas não-capitalistas.
No capitalismo a sociedade, cindida em classes, inaugura uma nova prática concreta de exploração. O trabalho assalariado, que produz mercadorias, que, por sua vez, geram lucro ao serem vendidas. Dessa forma, as mercadorias existem por que os homens contratam. Daí que o berço do direito encontra-se nas transações mercantis. Ele é resultado delas, posto que é criado, justamente, para garanti-las.
Forma jurídica e forma mercantil:
Eugênio Pachukanis, em tese manifestamente marxista, identificou a forma jurídica à forma mercantil. Quis ele colocar que sempre que surja uma economia de circulação mercantil uma série de ferramentas jurídicas precisa ser criada para apoiá-la como seu reflexo.
Assim, é necessária que existam a liberdade de contratar, os sujeitos de direito, os respectivos direitos e deveres. E é necessário, também, que um terceiro execute os contratos não cumpridos. Esse terceiro é o Estado.
No capitalismo é necessário um regime de impessoalidade para a produção e a circulação de riquezas. Ele explora o trabalho de quem quer que seja, assim como a mercadoria é vendida para qualquer que a compre. Isso dá margem a uma determinada tecnicidade, reflexo necessário da impessoalidade, que se alastra por todas as relações capitalistas. A troca mercantil é universal e, portanto, uma certa técnica que lhe dá apoio universaliza-se também: o direito. Nascendo as atividades mercantis capitalistas nascem juntas as instituições jurídicas. Assim, por exemplo, o trabalho é explorado através da compra e venda da força de trabalho por via de um contrato.
O direito subjetivo, a autonomia da vontade e tantos outros conceitos técnicos do direito surgem dessas relações capitalistas. Assim, no capitalismo todos são iguais para se venderem ao mercado. Todos são iguais para explorarem ou serem explorados na grande engrenagem do capital.
Desta forma, pode-se dizer que o direito moderno é capitalista não porque todas as suas normas sejam favoráveis à exploração capitalista e a protejam. Podem, inclusive, haver leis que atrapalhem a dinâmica capitalista. Porém, o direito moderno é capitalista porque a forma dele equivale-se à forma capitalista mercantil.
Não é o conteúdo das normas que garante o capitalismo. É a forma jurídica que permite que se estruturem todas as relações capitalistas. Normas e atitudes específicas dos juristas podem ir de encontro ao capital. A estrutura do direito, criada pela estrutura do capitalismo mercantil que passa a possibilitar as próprias relações do capital, não.
Se, no mundo pré-capitalista, o jurista confundia-se com um artesão, por causa da ausência de uma técnica impessoal e universalizada, que correspondesse a uma atividade mercantil impessoal e universalizada, no mundo do capital cai por terra a indistinção entre arte e técnica. O direito é, agora, mecânico em consonância com a mecanicidade das relações capitalistas. Agora serão jurídicas as normas e os procedimentos que, imparciais e mecânicos, servem de sustentáculo ao modus operandi do capital.
É por essa razão que se pode afirmar que o fenômeno jurídico passa por um salto qualitativo no capitalismo. Ele é requalificado. Não se chega aos fatos através dos próprios fatos ou da arte da justeza do jurista. É através da técnica jurídica, das normas em última instância, que se chegará às coisas.
Assim, a especificidade do fenômeno jurídico será identificada por este conjunto de instâncias estatais que correspondem de forma imediata às relações mercantis capitalistas. Só a sociedade moderna, capitalista, dá ao direito sua especificidade, sua própria forma. E a razão dessa forma específica é a forma mercantil que lhe corresponde e dá origem.
A quantidade extensiva do direito:
É necessária a percepção de que não é certa temática a residência da identificação do direito. Isso demonstra que a especificidade desse fenômeno encontra-se em sua qualidade, não em sua quantidade. É a qualificação do assunto que pode demonstrá-lo enquanto jurídico. Não é o tema, portanto, que faz o direito, mas a qualificação levada a este tema, imposta com base nas relações sociais vigentes.
O direito regulará as necessidades mais importantes do capitalismo. Não por acaso os primeiros códigos modernos que surgiram foram os que diretamente apoiavam as relações mercantis. O Código Civil e o Código Penal. O direito se estenderá, no entanto, por diversos outros temas que não são diretamente ligados ao capitalismo, sendo indiretamente nascentes desse, como as normas de trânsito, por exemplo.
Isso não quer dizer que o direito não é necessariamente ligado ao capitalismo. Na verdade, as normas de trânsito se valerão da mesma lógica e dos mesmos conceitos de que se valem as relações mercantis. O capitalismo transforma a tudo em mercadoria, o que vai fazer com que o direito alcance, também, todas essas relações. O direito chegará sempre aonde chegue a mercadoria.
Portanto, não haverá a coexistência de fontes contrárias do direito. Todo o fenômeno jurídico emerge das relações mercantis. E a reificação, a universalização da forma mercantil, conceito de G. Lukács, universaliza, então, a forma jurídica, que a tudo isso chancelará e aprovará.
Vale lembrar que o direito opera onde fala e onde se omite. Os juristas técnicos dirão que os fatos não valorados pelo direito não têm relevância jurídica. Mas a omissão do direito é um alto problema jurídico. O direito se esparrama sobre tudo, mesmo quando se esconde e omite.
Assim, não é pela quantidade, nem pelo assunto, que se identifica o direito. É por sua qualidade correlata à forma mercantil. Desta forma, é vasto o limite da incidência das normas jurídicas nos fenômenos sociais humanos, abarcando tudo aquilo que possa ser mercadoria.
A quantidade formadora do direito:
O direito penetra e é penetrado pela totalidade, interpenetrando todos os demais fenômenos sociais e sendo interpenetrado por eles. Por isso, não só a quantidade de que trata o direito, mas também quantidade que forma o direito é resumida pela totalidade. No limite, o fenômeno jurídico é apenas mais uma forma de expressão da totalidade dos fenômenos sociais.
Claro está, no entanto, que a totalidade das coisas forma o direito apenas em seu nível quantitativo, ficando de fora o nível qualitativo. A qualidade jurídica é o fenômeno preponderante, a quantidade é fato suplementar. Assim, a religião influencia o direito, mas não é seu fundamento. Sua lógica advém da atividade mercantil como estrutura necessária e aderente ao capital.
O jurista eminentemente técnico se esforça por esconder essa interação com a totalidade do direito. Identifica o direito apenas com a norma jurídica, procedendo, assim, a verdadeiro reducionismo. Escondem-se as relações do direito com a sociedade para não explicitarem-se seus vínculos. Deve-se proceder de modo contrário, rompendo com o reducionismo para chegar à própria qualificação da totalidade. A partir desse todo é que se há de identificar o capitalismo como unificador de sentido ao direito com todos os outros fenômenos mais a ele se somando de forma complementar.
Disso deriva a atual formação dos juristas. Parte a entender o direito a partir de certos pontos apenas, como a norma jurídica, desconhecendo a totalidade. Não se dando conta da riqueza da totalidade o jurista atual passa a se contentar em observar apenas fatos parciais, chamando-os de direito. Para um mundo que não quer ter angústias, sem se transformar, essa postura é útil, pois não pensa as contradições do todo. Mas para conhecer a plenitude do direito, é preciso ampliar os horizontes teóricos.
Frente a isso é necessário lembrar que a totalidade sobre a qual o direito se esparrama, e que forma o fenômeno jurídico, é orientada por essa razão de ser qualitativa, que se desdobra e volta a implicar o todo. O capitalismo dá existência singular ao direito e, ao mesmo tempo, o direito dá sustentação à atividade mercantil capitalista.
O fenômeno jurídico:
Não há fenômeno jurídico fora da história. Tudo que foi considerado manifestação jurídica foi assim considerado de forma distinta ao variar da história. Contemporaneamente, o direito é a técnica jurídica moderna.
Aristóteles, em Ética a Nicômaco, identifica o campo do direito e da justiça com a regra de dar a cada um o que é seu. Essa ficou conhecida como a regra de ouro aristotélica, que perpassou o Direito Romano e a Idade Média. O direito identificava-se à distribuição de bens.
No capitalismo essa lógica se inverte. A regra de Aristóteles deixa de ser lida como um problema de distribuição dos bens, sendo vista, a partir de agora, enquanto uma norma. Assim, independentemente de seu conteúdo ou procedimento, a regra perde seu sentido para uma norma que encerra, nela mesma, o sentido para justiça.
Antes o direito não estava nas normas, mas nas coisas. Anteriormente à Idade Moderna a justiça era uma atividade de encontrar a natureza das coisas. O jurista deveria agir no sentido de conformar os bens, as pessoas, os fatos e as situações a essa natureza. Daí surgiria o justo.
Assim, para Aristóteles, a eqüidade, que busca a justiça em cada caso concreto, era mais importante que a lei. Na antiguidade o jurista teria de ser capaz de buscar na situação concreta, nas coisas, sua natureza e a justiça ali envolvida. O fenômeno jurídico era considerado muito maior que a sua mera normatividade.
No capitalismo, contrariamente, o direito identifica-se às normas estatais e a todos os seus fenômenos teóricos correlatos. Fato devido às necessidades prementes da exploração mercantil e produtiva do capital. Se a sabedoria era uma virtude jurídica no passado, hoje a virtude jurídica que se busca é o conhecimento técnico. Para nós o direito é técnica e não arte.
O artesanato jurídico do passado parece injusto visto com os olhos do presente e, de fato, o é. Nas sociedades pré-capitalistas os que detinham o poder nas relações sociais acabavam, na maioria dos casos, consolidando a ordem injusta em que viviam, porém tudo a depender da vontade de quem mandava. O direito era incerto, imprevisível. O capitalismo, no entanto, por meio da institucionalização estatal, apenas tornou previsíveis e consolidadas suas injustiças. Por isso, a crítica ao capitalismo não é uma volta ao passado, mas a sua superação, a chegada a uma sociedade sem classes e sem exploração. A chegada ao Socialismo. Pois somente com esta superação será possível chegar-se às pessoas, às coisas, aos fatos.
O direito como fenômeno específico é necessário ao capitalismo. A superação deste será a superação do mundo tecnicista dos juristas. O fim do direito específico é o fim do próprio capitalismo. Por isso, a crítica marxista de que a extinção do capitalismo será a extinção do direito.
Portanto, a arte do jurista de fazer justiça é praticamente impedida sob o capitalismo. O jurista deve ser mecânico, técnico. Suas aspirações e seus desejos são enterrados pela prática sufocante da realidade e pela distorção estrutural da sociedade. Por isso, a postura autêntica do jurista deve ser a da transformação da própria sociedade capitalista. Assim, ele só será autêntico quando vivermos no mundo socialista e o direito for uma arte ou quando ele lutar pela destruição da sociedade capitalista.